Aqueles irmãos, como todos
de sua época, cresceram ouvindo histórias nas rodas de conversa da família, ora
ouvindo os tios, ora ouvindo avós. As conversas sempre aconteciam depois da
“janta”, enquanto as mulheres lavavam as panelas, os homens e as crianças
sentavam para jogar conversa fora.
Nessas horas as histórias
eram muitas, da família, dos conhecidos, dos amigos, dos vizinhos, reais,
fictícias. Podiam ser de assombração também! As crianças sempre ouviam e não
perdiam um só detalhe, mas o problema era dormir depois das histórias de
lobisomem, saci, mula sem cabeça e tantas outras. O risco era mijarem na cama
de tanto medo ao menor sinal de sombras se movendo pela parede do quarto,
iluminado apenas pela luz titubeante do lampião ou da lamparina, comuns naqueles
tempos em que energia elétrica ainda nem era sonho nesse noroeste do Paraná.
E os irmãos? Filhos de
italianos, também se casaram e foram morar com suas esposas onde? Na colônia do
pai, onde cada filho tinha sua casa. As casas todas de madeira enfileiradas
naquele pedaço de chão conseguido com tanto trabalho. Nesse lugar, familiar, aconchegante, mas de
muitas brigas, de muito amor, de algumas ameaças, mas de muito cuidado de uns
com os outros, nasceram e cresceram dezenas de crianças, filhas desses casais.
Mas o que faziam essas
pessoas nesse lugar distante? Sem civilização? Sem televisão? Sem novela?
Os homens saiam à noite
para irem jogar bocha, jogar truco, tomar uma branquinha, um vinhozinho, que
ninguém é de ferro! As mulheres? A essas cabia cuidar das crianças, ora essa!
Cabia também cuidar da casa: lavar roupa no riozinho distante, limpar a casa,
“ariar” os alumínios (panelas, caldeirões, etc), dar comida pras galinhas,
porcos... Já cansou? É, naquela época elas não conheciam essa palavra, porque
além de tudo isso, trabalhavam na roça com seus esposos.
Mas falávamos dos irmãos.
Esses, Orlando, Otávio, João Batista, Valentim também trabalhavam muito na
roça, mas havia os momentos de lazer. Num desses momentos, numa noite,
resolveram andar uns quilômetros até uma venda em um “patrimônio” próximo para
jogar truco com uns amigos.
Era uma sexta-feira, 13 de
junho, dia de Santo Antônio, que com certeza abençoaria a festa deles. Saíram
cedo de casa, porque queriam aproveitar bem a noite. Andaram mais de uma hora,
com passos largos, enérgicos. Caminhada de quilômetros que não parecia muito,
porque havia muito o que conversar.
Chegaram no arraial,
fizeram as duplas, e o jogo de truco pegou fogo! Tanto que não perceberam o
adiantado da hora, quando olharam no relógio, era quase meia noite!
Resolveram queimar o chão.
Fazer rastro. Ou seja: ir embora. Escolheram uma estradinha, dessas de terra,
com muita plantação dos dois lados, ou mato dos dois lados. Olhavam pro céu, a
lua se escondendo atrás das nuvens abundantes em noites de inverno, só ficava
então aquela luminosidade pálida, que nem se podia dizer que iluminava.
Andaram, andaram,
conversaram, conversaram, riram, andaram, andaram, riram. De repente o João
Batista falou que precisava urgentemente tirar a água do joelho. Pararam no
meio dessa estradinha, ficaram esperando enquanto o Batista, fazia suas
necessidades. Ele, o Batista, lá, tranquilo, agachado, já procurando a folha de
mamona. Passa a mão pra cá, passa a mão pra lá, até que achou as folhinhas
salvadoras. Quando já estava se limpando, de repente olhou por cima da
plantação e viu! Não acreditava! Fechou os olhos, abriu, esfregou os olhos...
nada! Aquela coisa vinha vindo. Sem esperar, saiu correndo do mato, já com as
calças erguidas, gritando “corram, corram”. Os irmãos se entreolharam, mas
ninguém se mexeu. Acharam que fosse alguma brincadeira, afinal o Batista era um
gozador. Ele continuava gritando “corram, seus bestas, vocês não estão vendo?
Olhem pra trás!” Todos olharam por cima das árvores e viram aquela luz imensa,
muito brilhantes, que vinha, não se sabe de onde, vinha sobrevoando tudo: mato,
plantação, bicho, gente. Era como uma bola de fogo imensa, mas que não
queimava, apenas brilhava, brilhava muito. O que era isso? De onde vinha? Ninguém
nunca soube. O que se sabe é que cada um deles correu o mais que pode, chegou
em casa esbaforido, sem ar, sem sangue no rosto, sem palavras, entrou correndo,
fechou a porta, deitou na cama, com roupa e tudo, cobriu a cabeça com o
cobertor, fechou os olhos com muita, muita força, tampou os ouvidos com as
mãos, para só acordar no dia seguinte.
P.S. Homenagem aos quatro irmãos (Orlando, João Batista, Valentim, Otávio), que agora, jogam truco no céu...
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