Ela era uma mulher de trinta e poucos
anos, casada, sem filhos, moradora de cidade grande. Era isso: moradora. Afinal
não nascera ali. Nasceu muito longe, uma cidadezinha de interior, para onde, de
vez em quando, voltava para recarregar as energias, sentir o sol quente, ver a
lua, as estrelas, que na cidade grande pouco via, ou era por causa da poluição,
ou pela falta de tempo de olhar para o céu ou sair do shopping onde trabalhava.
Você sabe o que é um shopping? Templo
das compras e diversão para quem vai a passeio, mas dia eterno e artificial
para quem nele trabalha dia e noite, sem saber em qual desses horários está,
nem se chove ou se faz sol, se faz frio ou está calor. A obrigação de estar
sempre bonita, maquiada, sorridente, de bom humor, bem vestida. Era esse seu
trabalho: o cartão de visitas da loja. Era vendedora. Além de vender sua
própria imagem por um salário mínimo fixo, comissões um pouco melhores, vendia
roupas, roupas de grife para as madames que por ali passavam.
Além desse trabalho, que deixava
marcas nas suas pernas, as varizes, dores nas costas, nos pés, tinha a outra
jornada, a doméstica, que era também dura. Lavar, passar, cozinhar, limpar,
pois o marido, também empregado do comércio tinha vida igualmente corrida.
Por todos esses motivos quando Ana
saía do trabalho, saía literalmente “voando”, afinal havia muito trabalho em
casa, o ônibus demorava muito no trajeto do trabalho até sua moradia.
Em um desses dias sentira o bafo
gelado da morte na sua nuca. Saía apressada, cabeça nas tarefas domésticas, nas
contas, andava me-ca-ni-ca-men-te pelas ruas, que atravessava como se andasse
em uma escada rolante, onde você para, deixa-se levar por ela.
Foi assim, automaticamente, quase sem
notar, que estava atravessando aquela rua próxima à Prefeitura, sem faixa de
pedestres naquele lugar, nem semáforo, mas sempre atravessava ali para cortar
caminho, ganhar tempo, até chegar no ponto de ônibus. Estava atravessando a faixa, havia olhado
para ambos os lados, não vinha carro, caminhão nada. Chovia. Guarda-chuva,
capa, bolsa, óculos embassado. Por um momento sentiu-se erguida por uma força
invisível, o tempo havia parado, seus braços e pernas não mexiam, seu grito não
saía. Sentiu um vento muito forte tentando arrasta-la. Depois só ouviu os
xingamentos do cobrador do ônibus, que olhava para ela, pálida, ele também, o
ônibus passando rente ao seu corpo. Graças a Deus! Estava viva! Terminou de
atravessar a rua, mas ainda igualmente pálida, fria, gelada, atônita, sentindo
aquele ar gelado na sua nuca!
Comentários