Relendo
alguns documentos no computador, reencontrei um texto, uma carta. Uma carta que
escrevi, em 2010, após uma visita na Bienal do Livro de São Paulo, de onde
trouxe um presente, um livro, para uma aluna. Uma senhora que fazia aulas
particulares comigo. Queria muito aprender a ler. Segundo as palavras dela “Eu
não sei ler. Eu não entendo o que leio. Não consigo ler um livro, porque não
entendo quase nada!”
Nossas
aulas não tinham um plano definido, como era de se esperar, pois em sala de
aula isto é necessário. Eu ia adaptando minhas aulas aos interesses dela, pois
uma mulher adulta, trabalhadora, tinha necessidades diferentes de um
adolescente.
Fui
assim, tentando, aos poucos, testando, inventando, criando, recriando, buscando,
desta forma, vencer a maior dificuldade da aluna: a certeza inabalável de que
não sabia ler, que não entenderia os livros.
Usei
vídeo filmagem para ela se ouvir lendo. Usei livro didático em alguns momentos.
Em outros usei panfletos da loja dela. Usamos recibos. Ela escreveu pequenos
textos. Lemos poemas. Notícias.
Entremeando
tudo isto, quando sentia vontade, dava um livro aqui, outro acolá. O primeiro
que dei, comprei na banca de revistas, não era evangélico, mas falava de
Cristo, o grande mestre. Dei o livro, com um “bilhete”, digitado no computador,
com palavras simples, que me vieram à mente. Foi muita emoção! Ela chorou, pois
estava a ponto de desistir das aulas, disse que isto que eu fiz foi um sinal!
Neste
dia, que comprei este livro para ela, comprei um para mim, que devorei.
Comentei deste livro com ela. Contei brevemente parte da história, mas sem
contar o final. Falei do autor, que eu conhecia desde a minha adolescência, do
porquê ele escreveu o tal livro. O livro? Quase memória de Carlos Heitor Cony.
Quando
dei o livro, que trouxe da bienal, Dias raros, de João Anzanello Carrascoza,
ela também se emocionou, pelo simples fato de eu ter feito este carinho, dado
este presente, ter pensado nela, enquanto me divertia na Bienal.
Cada
um destes meus atos, destes livros teve respostas, inesperadas para mim. Mas
como foram importantes e decisivas para ela.
O
livro do Carrascoza trazia, entre os seus contos, um que falava de um menino de
interior, que chega na cidade grande. Ela se identificou demais com esta
história, com a descrição feita pelo autor. Me disse “Este livro fala da minha
vida!”
O
livro do Cony trouxe consigo uma promessa “Um dia eu vou ler este livro. A
senhora me empresta?”
Claro,
claro que emprestei. O resultado? Tempos depois, durante a leitura, ia me
contando partes da história. Ao falar de cada parte comentava o livro, a
linguagem utilizada pelo autor, as “minúcias” que ele descrevia ao falar de
lugares, de pessoas, de sentimentos.
As
aulas infelizmente foram descontinuadas devido a problemas de saúde de uma
pessoa da família dela, bem como aos compromissos que assumiu em virtude desta
doença.
Quais
os frutos destas aulas? Consegui(mos) que uma pessoa que tinha medo de ler,
lesse CINCO livros em menos de um ano. Que perdesse o medo paralisante de
escrever.
Ainda
a vejo, de vez em quando, nestes momentos vejo na sua mesa de trabalho sempre
um companheiro. Um companheiro que a acompanha no trabalho, em casa: um livro!
Como
diz o Cony no livro Quase memória “Fizemos grandes coisas hoje!”
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