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João Delfiol Construções

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RETROSPECTIVA DO BLOG

Criado com o Padlet

Passagem anônima

Ninguém sabia de onde ela havia aparecido. Perambulava pelas ruas da cidadezinha, para lá e para cá, o dia todo. As vezes limpa, as vezes suja, roupas puídas, descalça, as vezes comia, outras não.
Mulher, uns 40 anos, magra, esbelta, mas maltratada pelo tempo, pela vida, sofrimentos, fome, ainda por cima “sofria de acessos...”, era assim que os mais antigos falavam das crises epilépticas.
O nome dela? Ninguém sabe, mas como era baixinha, apelidaram-na de joaninha, assim mesmo, pequenina, rápida, como o inseto.
Era querida por algumas pessoas, que lhe davam almoço, janta, bastasse para isso que ela apontasse no portão, com aquela carinha de criança faminta, olhos já sem brilho, sem esperança.
Uma vez, disseram, comentaram muito pela cidade afora, que ela havia sido estuprada pelo padrasto, por isso sumiu sem rumo, andando pelas estradas do País, as vezes acompanhada de outras mulheres, nunca homens, as vezes de cachorros, mas sempre sem nada, nem uma bolsa, sacola, saco, onde pudesse levar uma coberta, um papelão. Nada!
As beatas da cidade não gostavam dela, diziam que era promíscua, outras diziam que ela “tinha encosto”, por isso aquelas crises horrendas, onde se retorcia toda, gritava, babava, se urinava, horas assim neste estertor, que assustava muito crianças, até adultos.
Depois deste sofrimento, alguém a recolhia da calçada, da praça, de onde estivesse, a levava para casa, dava-lhe um banho, roupas limpas, descanso, comida, aconchego, mas ela não ficava, não queria morar, ter vínculos com ninguém, preferia a liberdade das ruas, a solidão do cemitério longínquo onde dormia.
O tempo foi passando, Joaninha envelhecendo cada vez mais, até que uma boa alma, uma pessoa de bom coração, resolveu fazer um mutirão para construir uma casa para ela, assim ela teria seu lugar. Assim aconteceu. A casa foi construída, em um lugar distante de vizinhos, como ela queria, em um pequeno sítio.
Joaninha saía diariamente de sua casa, perambulava pelas ruas, comia, andava, sorria, as vezes conversava, afinal a vida estava se mostrando menos dura para ela, mas sua doença continuava impiedosa, sempre presente, como um lobo feroz sempre mostrando os caninos brancos, poderosos, rasgando suas carnes com aquelas dores horríveis, seus músculos retorcidos, seu cérebro comprimido com a dor incessante e lancinante. Tratamento? Não, naquele tempo não havia medicamentos que controlassem suas crises, nem especialista para isto existia nos cafundós do interior do Paraná.
Uma conhecida, se é que se podia chamá-la assim, contou que “ela tinha família, rica, grande, moravam na capital, nem sabiam onde ela estava, nem queriam saber.”
Vez ou outra Joaninha era encontrada chorando, chorando, saudades da mãe, a única da família que não a rejeitara, mas morrera muito cedo, quando ela, ainda criança, mas já demonstrava indícios de crises futuras, afinal tinha “ausências”, ficava fora do ar... Sua mãe dizia que era normal, que ela viajava para o País da Imaginação com seus personagens fantásticos e invisíveis para os adultos!
Uma vez esteve na cidade um jovem procurando por uma senhora, de nome pomposo: Isabel Maria Carvalho Rivera Figueiredo, com uma foto muito antiga, preto e branco, pequenina, somente o rosto. Conversou com alguns transeuntes, mas em vão, pois ninguém se lembrava desta pessoa, nunca tinham visto. Uma mulher, aquela conhecida de Joaninha, viu nos olhos da fotografada, um brilho diferente, estranho, que a lembrava alguém. Mas quem? Não conseguiu lembrar.
O jovem foi embora. A vida de Joaninha continuava a mesma, mesma rotina, comentários maldosos, crianças com medo dela, adultos que sentiam repulsa. Ela passava indiferente a tudo isto. Curtia o sol, a chuva, as flores, as árvores, afinal essas eram suas melhores companhias. À noite olhava o céu, cheio de estrelas, ficava tentando encontrar nelas sua mãezinha. Este era seu passatempo predileto.
Um dia a cidade acordou diferente. Todos se perguntado: cadê Joaninha?
Foi a conhecida, D. Ana, que deu o alerta:
- Há mais de dez dias que Joaninha não aparece, não vem comer, nem vem conversar, simplesmente sumiu! O que teria acontecido?
Algumas pessoas, mulheres, homens, se reuniram, foram até o pequeno sítio, onde Joaninha morava, mas estava tudo fechado, nem uma fresta para ver o que havia lá. Somente um mau cheiro, talvez carne estragada, restos de comida.
Resolveram chamar a polícia. O delegado não deu muita atenção, disse que talvez ela tivesse “pegado o trecho novamente”, mas mesmo assim mandou um de seus comandados lá. Para não dizer que não fez nada! Afinal ele, o delegado, pretendia ser candidato a prefeito nas eleições próximas, por isso era de bom tom tomar providências imediatas, mesmo que ele, muito ocupado, ocupadíssimo, não pudesse acompanhar a verificação.
O soldado primeiro andou ao redor da casa, onde viu apenas as pegadas dos amigos dela, que também o acompanhavam, compararam as pegadas e os sapatos. Nada de novo!
Olhou portas, janelas, sempre acompanhado pelos populares, mas nada! Nenhum sinal de arrombamento!
Mas e aquele cheiro? Alguém tinha ideia do que seria?

Resolveram, então, arrombar a porta. Que horror! Um corpo em adiantado estado de putrefação, grudado ao chão de madeira, assoalho, fundindo-se um ao outro.  Olharam as vestes, era ela! Joaninha! Voara para o País da Imaginação para ser feliz com seus heróis invisíveis!

Obs. Texto escrito em 2011 com o objetivo de participar de um Concurso Literário.

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